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quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Lamento

Posso desperdiçar minha vida inteira,
A lamentar tudo aquilo que não sou.

Travessias

Um está sempre no escuro, só no último derradeiro é que clareiam a sala. Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.
(João Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas)


...estamos todos caminhando rumo a um mesmo destino, que não é nada espetacular. É preciso perceber a hora de tirar o pé do acelerador, afinal, quem quer cruzar a linha de chegada? Mil vezes curtir a travessia. (do texto cresça e divirta-se, de Martha Medeiros)

Nesse ano e meio fiz uma travessia. No sentido das travessias do Riobaldo em Grande Sertão. Travessia de rio. A gente conhece o ponto de partida, mira um ponto de chegada e se lança no rio, em uma canoinha trêmula e sem saber nadar. O real acontece mesmo durante a travessia e a gente não consegue agarrar. Só percebe quando chega do outro lado; mas sempre em um lugar novo mais abaixo no rio, diferente do destino que a gente tinha imaginado.

O que aprendi? Poucas coisas: que família é para a gente dar e receber, não para tirar e cobrar; que livre a gente tem de ser, não pedir por favor... Mas o que aprendi mesmo é que temos de nos lançar em novas travessias, sempre, enquanto vivermos. Pode parecer mais seguro ficar parado onde chegamos. Mas é ilusão. Na vida não se consegue ficar parado, praias são invenções. Ou bem nos lançamos ao rio, em busca de aventuras de descobertas, acertando e errando, trêmulos; ou, ainda que com vida, deixamos de viver, presos, querendo parar o que não se firma, repetir o que não se repete, voltar ao que já não há.
(Anotações de 2005)

Antologia de Manuel Bandeira

Poesia é síntese criativa. Dispensa exemplos. Ou é o exemplo dado de tal forma que reflita o mundo. Dispensa explicações que não sejam poéticas. Manuel Bandeira, além de ser sintético na sua poesia, foi sintético na obra. Publicou apenas o essencial. Por isso, não faz sentido fazer uma antologia de poemas de Manuel Bandeira. Sua obra já é antológica, e o livro Estrela da Vida Inteira reune todas as suas poesias. Mas o próprio Manuel Bandeira fez uma antologia de si mesmo, reunindo em um poema as frases mais ricas de sua poesia. O poema chamado Antologia pode ser lido abaixo, com indicação dos poemas de onde foram recolhidas as frases.

Antologia (Manuel Bandeira)

A vida
Não vale a pena e a dor de ser vivida.
Os corpos se entendem mas as almas não.
A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Vou-me embora p’ra Pasárgada!
Aqui eu não sou feliz.

Quero esquecer tudo:
- A dor de ser homem...
Este anseio infinito e vão
De possuir o que me possui.

Quero descansar
Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei...
a vida inteira que podia ter sido e não foi.
Quero descansar.
Morrer.
Morrer de corpo e alma.
Completamente.
(Todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições de partir.)
Quando a Indesejada das gentes chegar
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.
(Poemas: Soneto Inglês nº 2; Arte de Amar; Pneumotórax; Vou-me embora p’ra Pasárgada; Cantiga; Presepe; Resposta a Vinícius; Cantiga; Poema Só para Jaime Ovalle; Pneumotórax; Cantiga; A Morte Absoluta; Lua Nova; Consoada)

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A vida é perto

A vida é perto. Esse é o nome do DVD da Olívia Byington. Nem vou comentar sobre o DVD, pois sou suspeito. Afinal, por volta dos meus vinte anos eu fui apaixonado, não pela cantora que nunca conheci, mas pelos shows da Olívia Byingon, que eu perseguia no Rio de Janeiro. O meu destaque aqui é o título do DVD. A vida é perto. Perto.

Esses dias tudo vem conspirando para me dizer isso: “A vida é perto”, embora com frequência busquemos a vida em um lugar distante. No passado, em algo que não aconteceu, no futuro, em outra vida, mesmo na morte, e até num simples bilhete de loteria. E a vida ali. A felicidade ali. A beleza ali. Sempre ao nosso lado. Perto. Mas somos incapazes de enxergar. Lembra-me a forte imagem de que o homem é como um louco que já está dentro da festa – da vida, da felicidade, da beleza – no entanto desesperadamente batendo na porta pelo lado de dentro para entrar.

Comecei a pensar nisso depois de ler “Pearls before breakfast”, reportagem preciosa de Gene Weingarten publicada no Washington Post e disponível no link abaixo:

http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2007/04/04/AR2007040401721.html?hpid=topnews

A equipe do Washington Post conseguiu colocar o violinista Joshua Bell tocando incógnito, como artista de rua, seis peças de música clássica em uma estação de metrô de Washington. A reportagem, além de narrar as reações de quem passava ao lado do violinista rumo ao trabalho, analisa a correria do homem moderno, com os olhos sempre voltados para um objetivo impessoal à frente – riqueza e sucesso profissional. Nessa correria, quase sempre é incapaz de enxergar, e ouvir, o que está ao seu lado, bem perto. O escritor britânico John Lane entende que a experiência com o violinista no metrô não significa que o homem moderno não tenha capacidade de entender o belo, mas talvez o belo seja irrelevante para ele. O texto de 14 páginas deve ser impresso para ser lido e relido com calma, refletindo e apreciando sua elaborada construção, seus detalhes. Como aperitivo leia os primeiros versos do poema Leisure, de W. H. Davies, e um parágrafo da reportagem:

“What is this life if, full of care,
We have no time to stand and stare”

“If we can’t take time out of our lives to stay a moment and listen to one of the best musicians on Earth play some of the best music ever written; if the surge of modern life so overpowers us that we are deaf and blind to something like that – then what else are we missing?”

Alquimia

“O nosso amor é tão bonito,
Ela finge que me ama e eu finjo que acredito”
(da música Falso Amor Sincero, de Nelson Sargento)


Li o primeiro capítulo de Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Marquez. O mesmo sabor - a mesma sensação de mil e uma noites; de mundo em suspenso; de esperança - que provei quando li o primeiro capítulo de Os Filhos da Meia Noite, de Salman Rushdie.


De repente, um narrador poderoso começa a contar histórias e todos os meus problemas, minha seriedade e meus planos de vingança se dissolvem. Suspendo execuções, a cicuta volta para o armário, e me torno discípulo atento desse alquimista que transforma o mundo em algo precioso.


Sei que vou ler o livro todo, dia a dia, capítulo a capítulo, caso a caso. Uma suave esperança de aprender as artes de alquimia do mestre. Também eu, poder deitar um novo olhar sobre o mundo em que vivo e transformá-lo em beleza, em cores, em texturas, em sabores.


Será que minha visão é tão pobre que só consigo enxergar no mundo a crua e seca realidade devastada e dizer não? Mil e uma vezes a mentira, a ilusão, a fantasia, o riso, a brincadeira, a leveza. Me ensinem, discípulos de Sherazade, me ensinem a passar pela vida num tapete voador.